O
que é dialética?
Foi
assim que iniciamos mais uma aula de filosofia da educação, quando eu cursava
pedagogia, em meados da década noventa:
A
professora, mestra e amiga Marlene Hernández introduziu o assunto,
citando alguns autores que iríamos estudar. Em meio a teorias e pensamentos
concêntricos dos grandes pensadores, que eram expostos na nossa leitura
dirigida, perguntei:
_
Professora, o que é dialética? Não consigo entender. Já li, reli, mas não
consigo entender como funciona, como percebo, como sinto a dialética.
Não
recordo se ela já sabia que eu usava o mar como símbolo para as escolhas que
deveria fazer – o fato é que ela respondeu de maneira tão simples e poética,
que até hoje a sua explicação reverbera dentro e fora de mim, auxiliando nas
minhas explicações de professora, quando questionada de maneira semelhante.
Marlene
respondeu:
_
A dialética é como o mar. Pensa no mar: as ondas são constantes, vêm e vão sem
nunca parar. Mas uma onda nunca é igual à outra.
Simples,
não é? Mas esta foi uma das lições mais profundas e bonitas que recebi. E
continuou mais ou menos assim:
_
A dialética é o próprio pensamento, que não cessa, não se contenta consigo
mesmo e prossegue comparando, analisando, compartilhando, se contradizendo, refazendo-se em um ir
e vir constante, como as ondas do mar.
E
com o seu sotaque chileno, perguntou:
__
Entende, Naurelita? O que é o mar para você, como ondas
de pensamento?
E
eu respondi:
-
É tudo (Sempre foi). É o que me dá força, quando fraquejo e imagino as suas
ondas cantando e dançando com o vento, tocando as rochas, soprando gotas de
força, nuvens de sabedoria. É o que limpa as impurezas e catalisa as lembranças
ruins. Quando vem uma delas, é ao mar que recorro. Peço que ondas da maré
vazante arrastem os pensamentos negativos e as emoções que eles produzem para o
fundo do oceano e lá transforme em passado, sem mais incomodar, transforme em
aprendizado.
O
mar, para mim, é repouso, quando imagino e me banho em suas águas quentes, em
noite de verão; é serenidade, pela consciência de ser água. Simboliza
sabedoria, ciência, começo da vida, misticismo, conexão com o poder superior e
fé; é ao mesmo tempo lindo e assustador, resposta e dúvida.
Quando
as coisas não vão bem, lembro da passagem da bíblia em que Jesus sugere aos
pescadores, quando não conseguem pescar um peixinho sequer: - Joga a rede do
outro lado. E então, tento mudar o meu pensamento vicioso, revejo as questões,
os resultados e jogo a rede do outro lado da barca, tentando outra vez,
tentando de outra forma.
Não
foram exatamente essas palavras, mas lembro de expor todas essas ideias. E lembro
de falar de um filme que há pouco havia assistido: O carteiro e o poeta.
No
filme, Pablo Neruda recita um poema para o carteiro, na praia, para ensinar-lhe
o que é metáfora. Gostei tanto que havia memorizado e ao pedido das colegas, recitei, um pouco envergonhada:
Aqui
nessa ilha, o mar... tanto mar
Ele
transborda de tempo em tempo
Ele
diz sim, então não...
Então
não
No
azul, na espuma, num galope
Ele
diz não, então não...
Não
pode parar.
Meu
nome é mar, ele repete...
Batendo
na pedra sem convencê-la...
Então
com sete línguas verdes
De
sete tigres verdes
De
sete mares verdes
Ele
acaricia, beija, molha...
E
bate no peito repetindo seu próprio nome.
E
continuei: _ esse movimento das palavras-mar, esse ir e vir constante, que é
metáfora do próprio pensamento de Neruda, a convencer-se de si mesmo, como mar
que tenta convencer as pedras da sua própria natureza é a dialética? Essa negação de si mesmo, para depois se afirmar, nos versos "ele diz,sim, então não" "e bate no peito repetindo seu próprio nome" não é a dialética, expressa nas leis da contradição e depois da síntese?
E
a professora Marlene questionou, como quem afirmava:
_
Criar metáforas, buscar novas soluções, esquecer-se do passado para criar um
novo presente, despir-se das impurezas e vestir novas ideias, vendo o mesmo objeto
com olhares diferentes, pescar novos alimentos, buscar novas fontes... tudo
isso é a presença do pensamento dialítico? Imagina utilizar a mesma força
motriz dessas ondas de ideias, na educação, na política? Quanto se pode
entender e produzir?!
O
diálogo prosseguiu. Outras colegas participaram, intercalando com as explicações
contidas nos textos teóricos. Não lembro como a aula foi encerrada, não lembro
dos seus desdobramentos. Mas recordo que o assunto rendeu outras conversas fora
da classe, no campo verde da Universidade, na cantina, no carro e na casa da
professora Marlene, onde havia sempre um bom diálogo e boas resoluções em educação.
A
experiência sincera com a palavra, é que lhe dá sentido. Foi e é assim com a
palavra “dialética”. A trouxemos para a experiência íntima com seus sentidos,
compreendendo-a de forma muito mais significativa, bebendo das fontes de
pensadores, educadores, como nossos mestres Gadotti, Paulo Freire e Pablo Neruda.
Gosto
de sentir a palavra em toda sua inteireza e história; é ela ao mesmo tempo causa e consequência
do pensamento, é o retrato da natureza humana e da criatividade.
Criar
novas formas de promover o diálogo na sociedade é um dos sentidos da palavra
dialética. E é por meio da dialética que criamos, em um refazer constante e
sempre novo, como as ondas do mar.
A seguir algumas palavras sobre dialética:
Dialética é uma palavra com origem no termo em grego dialektiké e significa a arte do diálogo, a arte de debater, de persuadir ou raciocinar.
Dialética é arte do diálogo, onde é possível demonstrar uma tese através de uma argumentação forte, que consiga distinguir, com clareza, os conceitos da discussão. É contrapor ideias e delas tirar novas ideias que comprovem o que está sendo dito.
Para Engels, a dialética é a ciência das leis gerais do movimento, tanto do mundo externo quanto do pensamento humano. A dialética é a estrutura contraditória do real, que no seu movimento constitutivo passa por três fases: a tese, a antítese e a síntese. Ou seja, o movimento da realidade se explica pelo antagonismo entre o momento da tese e o da antítese, cuja contradição deve ser superada pela síntese.
As três leis da dialética são: Lei de passagem da quantidade para a qualidade: “mudanças mínimas de quantidade vão se acrescentando e provocam, em determinado momento, uma mudança qualitativa: o ser passa a ser outro.” Lei da interpretação dos contrários: a contradição é o atrito, a luta que surge entre os contrários. Mas os dois polos contrários são também inseparáveis.Lei da negação da negação: da interação do movimento entre as forças contrárias, surge uma síntese, ou seja, a negação da negação.
Para
entender mais:
ARANHA,
Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à
filosofia. 2. Ed. São Paulo: Moderna, 1993.
GADOTTI,
Moacir. Concepção dialética da educação: um estudo introdutório.9. ed. São
Paulo: Cortez, 1995. Disponível em: http://acervo.paulofreire.org/xmlui/handle/7891/2777#page/5/mode/1up
Assista trecho do filme O Carteiro e o Poeta
Luz
e serenidade!
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